Enquanto eu comia distraída alguém me observava. Um alguénzinho. (ele era realmente pequeno, menor que minhas pernas)
Quando percebi que me olhava muito, olhei de novo e sorri. Ele não sorriu de volta. Acho que eu mereci ficar sem um sorriso, afinal meu sorriso não foi verdadeiro. Sorrisos falsos deveriam ficar guardados. A quem quero enganar? A uma criança de 1 ano??
Eu olhava nos olhos dele e pensava: "Você é tão pequeno... não sabe nem falar ainda... Nossa, você tem uma vida inteira pela frente, vai ouvir muitas coisas que não gostaria, vai falar coisas demais, vai presenciar muita coisa... vai doer muito... Você não imagina o que te espera nos próximos 30 anos..."
Não, não não!! Eu não desejei nada de mal pra ele, eu não praguejei... Antes fosse praga minha (duvido que pegasse, não sou boa nisso). Imediatamente após esses pensamentos já mandei outros: "Que Deus te abençoe e você tenha uma vida iluminada, que sofra o menos possível, que seja um bom pai, um bom marido, uma boa pessoa. Que saiba achar graça nas coisas e não sinta o peso da vida, que tenha amigos verdadeiros, que não se iluda, que não substime ninguém, que não superestime ninguém, que tenha uma vida bonita..."
Enquanto eu pensava esse turbilhão de coisas entrelaçadas, o menininho não devia estar pensando em muita coisa além de como acertar a boca no garfo cheio de comida que sua mãe apontava pra ele.
Será que as coisas têm conserto?
As coisas podem mudar?

Isso acontece no mundo dos sapatos... Existe alguém que te diz porque ele te machuca e porque você sente dor, te aponta os erros, te dá as soluções e te devolve algo completamente reformulado dentro de 4 horas...
Algumas vezes a máquina de alargar seria espetacular para abrir a mente, a alma, o coração. (Em alguns momentos não conseguimos suportar o que temos no peito, na garganta ou na cabeça e ficamos a ponto de explodir. O mundo dos sapatos e dos sapateiros...)
Não somos inanimados. Somos como leite quente.
Sentimos tudo esquentar. Sentimos tudo esquentar demais. Levantamos fervura e extravasamos. Baixamos nossos ânimos de novo. Depois da fervura perdemos um pouco de nós. E depois de novo e de novo, se o fogo não cessar... E ficamos reduzidos a um tamanho que não extravasa mais, só ferve e evapora... e vai sumindo aos poucos...
Esse fogo que nos reduz é a pressão que sentimos e o peso sobre nossos ombros. Pessoas que sabem voar não sentem isso. Eu ainda vou descobrir como colocar essas asas. Ainda vou descobrir o segredo da leveza, o segredo de não se abater...
Ainda vou aprender a não romantizar as pessoas e a vida. Ainda vou ter coragem de assumir o que vejo, ainda vou conseguir um "alargador" de coração e deixar as coisas mais soltas dentro dele.
Ainda vou me tornar uma criança de 1 ano e me preocupar apenas com a comida enquanto estiver comendo...
Ainda vou aprender a acabar com o fogo antes de me deixar ferver e me sentir menor depois disso.
Ainda vou ser mais fiel aos meus tantos pensamentos.
Ainda criarei asas.
(Ainda criarei asas, e voarei alto, pra onde as lembranças não me atormentem, pra onde as dores não me alcancem, pra onde não terei tempo de criar expectativas. Voarei muito alto, até colocar os pés no chão)
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