quinta-feira, 4 de abril de 2013

Pessoa insana em Viena

O que faz uma pessoa estar em Viena no fim do mês de março, numa congelante segunda-feira, andando pelas ruas ao redor da ópera, enfrentando fila interminável?
As pessoas costumam ser estranhas. Muito estranhas. Pessoas choram quando achamos desnecessário, riem alto demais, gritam "eu te amo" em praça pública, fazem sexo em becos, agridem com palavras, matam com pancadas, abandonam suas casas, mudam de emprego, deixam seu país. Pessoas costumam ter motivos próprios, motivos que nunca vamos entender.
Numa segunda-feira eu andava a esmo por Viena, sem pretensão alguma, e acabei sem querer numa fila que ainda não sabia onde me levaria. Sim, sim!! Pessoas também agem sem motivo! Tempo de sobra, férias, falta de compromisso com o tempo, com o lugar, com expectativas. Logo percebi do que se tratava, era fila para um espetáculo, uma apresentação de ópera na grande Ópera de Viena. Lá estava eu, quase imóvel naquela interminável  fila, acompanhada de inúmeras de pessoas ansiosas pelo mesmo barulho: o barulho perfeito.
Não demorou muito para eu perceber a figura estranha-engraçada-intrigante que estava na fila. Um homem de uns 50 anos, cabelos lisos e grisalhos, na altura do ombro. Vestia roupa social, porém percebia-se que não se tratava de um homem da alta sociedade mas um homem vestido apropriadamente apenas. Ele era inquieto. Estava desacompanhado, como eu. Mexia-se ininterruptamente. Virava-se pra lá e pra cá como se buscasse por algo. Falava alemão em alto e bom som, sozinho. Falava e falava pelos cotovelos, parecia reclamar, comentar, indignar-se. E mexia-se, virava-se, gesticulava. Logo a fila moveu-se e em poucos instantes estávamos acomodados em lugares estratégicos, lugares reservados para pessoas que assistem à ópera em pé. Como não poderia ser diferente, o homem-pérola posicionou-se exatamente na minha frente. Mexia-se, torcia-se, parecia incomodado, parecia curioso com relação às outras pessoas.
As luzes apagaram e o homem de atitude estranha mudou um pouco seu comportamento. Na fila parecia um louco varrido, no salão parecia um louco comportado. A Ópera começou. Ele calou-se. Nao ouvi mais seu alemão gritado e nem seus resmungos, pra um louco ele estava se saindo muito bem. Violinos e vozes ecoavam naquela ópera de acústica perfeita, o homem virava-se, olhava nos rostos ao seu redor como se quisesse observar e sentir o que acontecia ao seu redor. A cada momento de entusiasmo dos artistas, o homem ficava mais inquieto e perturbado com tamanha demostração de arte, dom e beleza por parte dos cantores e dos músicos. Realmente, Viena acumula pessoas de todas as partes com diversos interesses, como qualquer parte do mundo. Não podia ser diferente, na adorável Viena encontrei uma pessoa insana: eu mesma, por julgar louco um apreciador da ópera, por julgar louco um homem de baixa renda que junta seus trocados para assistir a uma ópera em plena segunda-feira, por julgar alguém que faz isso sob muita neve e mostra verdadeiro interesse pela arte, por demonstrar preconceito julgando louco quem deveria ser o mais são num mundo de materialismo e futilidade.

(Reencarnação de Wagner? Ou de Nietzsche????)

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