segunda-feira, 28 de julho de 2014

O travesseiro de cada um

 Eu me pergunto se todas as pessoas conhecem a sensação de anoitecer e não ter a quem desejar boa noite. Ou não ter quem se quer ter...
Todas as pessoas conhecem essa angústia? Essa vontade estranha de pelo menos dar um beijo de boa noite? Eu não sei o que acontece nas noites mas sei que elas escurecem e, se temos saudades, ficamos no escuro. 
 À noite a dor dói mais. No escuro do quarto o travesseiro é seu melhor ouvinte. Por que será que nos aquietamos a noite e nossos pensamentos nos enlouquecem? E por que essa esquisita mania de pensar em tudo quando já se está sob cobertores pronto pra dormir? Por que nessa hora dói mais? E me pergunto se alguém pode ouvir nosso choro e se algum anjo é que enxuga nossas lágrimas enquanto adormecemos com os olhos cheios delas.
 E penso que nas noites mais lindas onde até observamos as estrelas, observamos a lua e até esquecemos de escovar os dentes, lavamos o cabelo com condicionador, usamos a toalha de banho errada, esquecemos a caneca de chá dentro do microondas, esquecemos de colocar despertador pro dia seguinte, e dormimos com um sorrisinho no rosto, a noite não é tão escura. Emitimos luz por onde passamos e atraímos anjos dançantes que rodopiam junto com nossas lembranças. 
 E me pergunto por que nosso travesseiro vê mais que nosso reflexo nos espelhos no decorrer do dia. Me pergunto onde está o enigma da noite que nos arranca os sentimentos mais profundos e nos faz pensar em quem somos e pra onde queremos realmente ir.
 À noite nós nos encontramos com nós mesmos de uma maneira especial e verdadeira. À noite nosso travesseiro vê sorrisos, sente as lágrimas, leva apertões, abraços e beliscões. Descansa nossa cabeça mas nao tirar seu peso. E depois de encontrarmos a nós mesmos, confessarmos nossos desejos mais íntimos, lamentarmos nossas perdas mais doloridas, arrependermos de nossas falhas e de nos conformarmos com a realidade, depois de agradecermos nossas bênçãos, de sorrirmos lembrando das conquistas do dia, dos agrados do dia, nossos olhos se fecham e como uma mágica deixamos tudo repousando e adormecemos para deixar nosso corpo lidar com tudo isso. Equilibrar nossas energias. Acalmar nosso coração. 
 Acho que as noites existem pra encerrar um ciclo, para dar sentido ao nosso dia. Precisamos da noite pra dar valor ao sol. Precisamos do dia pra dar valor ao luar. Precisamos da guerra pra dar valor a paz. Precisamos da dor pra dar valor a felicidade. Precisamos perder pra dar valor ao que temos. Precisamos viver a maldade pra dar valor a bondade. Precisamos conhecer a solidão pra dar valor a companhia. Precisamos sofrer pra dar valor a quem nos ama. 
 Precisamos abrir os olhos de noite e mesmo no escuro, ver que nossos desejos mais íntimos existem porque como seres, precisamos ter a certeza da morte para vivermos. E precisamos ter certeza que fomos felizes pra descansar em paz. E precisamos descobrir que se não enxergarmos a felicidade por ai em tudo que vivemos, ela não vem ao nosso encontro. A felicidade que desejamos toda noite quando nos deitamos não existe se não a enxergarmos... Se não a criarmos... Se não permitirmos que ela se manifeste.
 E agora que é noite, que meu travesseiro vai ouvir meu choro silencioso, que mesmo com olhos abertos não vendo nada, vou fechá-los e imaginar como seria mais alegre meu dia se eu deixasse a noite só para pensamentos de alegria, de contentamento, de gratidão, de otimismo, de esperança, de planos e sonhos... E acordar no dia seguinte cheia de sorrisos e espalhar pelo mundo. E quando alguém me perguntar: 
"Por que você está tão feliz?" 
Eu possa responder: "Você também deveria estar!"